'' the girl with the plums''-
Lá estava ela, sozinha e intocada pelas ruas estreitas e escuras de Paris. Havia acabado de roubar algumas porções de cereja da venda do Sr. Gremal, mas precisava fazê-lo, a não ser que quisesse morrer de fome. Encolhida e apoiada em uma das paredes sujas da rua sem saída, entre os ratos e baratas, a garota devorava as cerejas sem se importar com as leis de higiene que nem sequer existiam em pleno século XVIII na classe mais miserável da França.
Tinha seus 15 ou 16 anos, e a imundice ocultava sua beleza delicada, como seus cachos ruivos grudados no suor de sua pele. Entre seus prazeres e paladares, a garota sentiu um estrondo abafado no fim de uma das ruas interligadas a aonde se encontrava. Algo a puxava para aquela direção; alguma força... ''algo'' a guiava para a tal ruazinha praticamente sem iluminação.
Enfeitiçada pelo mistério e magia que a levava a seguir 'algo' ou 'alguém', a garota deixou cair as cerejas no chão e seguiu a tentação.
Fechou os olhos para que seus sentidos se aguçassem e a levasse a descobrir o que estava seguindo naquele labirinto de escuridão Parisiense.
Sentira uma singela iluminação esquentar sua face, percebeu o alargamento das ruas, e o odor de esterco e mijo foram substituídos pelo suave aroma das flores que fora se aguçando conforme a garota caminhava lentamente.
E lá estava ele. O rapaz, com seu um de setenta e cinco de altura, cabelos escuros, sobretudo e botas pretas, observava concentrado a vitrine de uma loja de perfumes. A garota, paralisada e com a visão ofuscada pela beleza de tal ser, caminhou até ele, e com os olhos brilhantes de lágrimas segurou as mãos dos rapaz.
Assustado pela ação repentina, retirou suas mãos dela e a olhou desconfiada, mas sem deixar perceber a beleza da garota. Sem retirar seus olhos dos dele, novamente ela segurou suas mãos como se fosse guardá-las em um pequeno casulo de proteção - cuja sensação, ela nunca experimentara -.
E o beijou. Enfeitiçado, o rapaz não fez nada. Apenas correspondeu o sentimento da garota, que nunca em sua vida fora tocada. Tudo parou. Nenhum dos dois ouviu ou viu nada acontecer pela rua. A atmosfera do local ficara fria e apaixonante. Até que o rapaz ficou gelado, imóvel e duro feito pedra. Ela abriu os olhos, e deu de cara com os dele, porém ofuscados e sem vida. E distanciando- o de seu rosto, viu o fio de sangue escorrer pela boca do rapaz. Ele não falava ou respirava, e não emitia um sinal sequer de vida. Ele ficara pesado de repente e a garota suportou o peso do homem em cima de si. O sustentou pelos ombros e pescoço até ficar ajoelhada no chão, com o corpo do homem estendido e sua cabeça em seu colo. Toda a magia do momento fora destruída bruscamente pelo pavor e pela dúvida do que teria acontecido. Fora apenas um beijo. Um beijo que fizera um fio de sangue escorrer pela boca do rapaz, e fizera seu coração parar de bater para sempre.Com os olhos debulhados em lágrimas, ela o deixou estendido pelo chão, observando em choque a expressão fria e sem vida de seu rosto.
Um velho Senhor abriu a porta de sua loja de perfumes e ao sair, viu o rapaz estendido no chão e logo depois, a garota olhando para as próprias mãos, arrependida e com os olhos vermelhos: '' Assassina!'' - gritou o perfumista -. Em pouco tempo o local se encheu de pessoas curiosas a ver quem fizera aquilo com o pobre homem, enquanto a garota, assustada, correu para longe dali , até encontrar um beco escuro onde passou a noite. Chorando encolhida e sozinha.